As últimas décadas testemunharam crescimento exponencial da tecnologia médica para cirurgias robóticas. Com a combinação de aplicações de robótica e sensores, softwares, câmeras de alta resolução, e outras, surgem as plataformas robótica aplicada à cirurgia.
A primeira plataforma robô empregada em humanos foi utilizada em 1985 para realizar biópsias neurocirúrgicas, denominada Programmable Universal Machine for Assembly (PUMA). O equipamento também foi adaptado e usada para procedimentos urológicos e de próstata comuns pelo The Robotics Center, no Imperial College3.
Lançado em 1999 pela Intuitive Surgical Inc., o robô da Vinci deu novos rumos ao uso desta tecnologia. Em 2000 da Vinci obteve a aprovação do FDA para procedimentos laparoscópicos gerais e se tornou o primeiro robô cirúrgico operatório nos Estados Unidos (EUA).
O primeiro robô Da Vinci, aprovado pelo FDA em 2000, era composto por três braços, com endoscópio acoplado
a um, e dois instrumentos. Em 2002 versão robótica de quatro braços do robô Da Vinci foi aprovada para uso clínico, dando maior possibilidade de controle e melhora da exposição das estruturas anatômicas e redução de dependência de auxiliares. O sistema de console passou a permitir que controles comandados pelo cirurgião fossem precisamente conectadas aos braços, transmitindo os movimentos do “mestre” aos braços robóticos.
De lá para cá as soluções passaram a incorporar mais tecnologias, como visão de câmera 3D de alta definição, softwares cada vez mais avançados, integrações e plataformas, assim como melhorias em performance energética, velocidade, precisão e versatilidade. Acumulando benefícios e diferenciais, o mercado vem se expandindo em ritmo acelerado e robôs têm sido usados no mundo cirúrgico estabelecendo um novo padrão de atendimento, gerando resultados cada vez mais importantes.
O sistema cirúrgico robótico clínico mais utilizado inclui um braço de câmera e braços mecânicos com os instrumentos cirúrgicos acoplados a eles. Exemplos de procedimentos assistidos por robô incluem biópsias, remoção de tumores cancerígenos, reparação de válvulas cardíacas e gastroplastia.
Para o paciente, as vantagens em fazer um procedimento com o uso da tecnologia robótica em relação ao procedimento convencional, vão desde a segurança com menor risco de infecção, por exemplo, ao menor tempo de recuperação e estadia na unidade hospitalar. Já para a equipe médica destaca-se maior amplitude de movimento e destreza, imagens de maior qualidade com recursos mais informatizados.
Ainda assim, existem barreiras para a adoção, como a concentração de mercado e barreiras tecnológicas, principalmente o seu alto custo, podendo chegar ao dobro do valor de cirurgias convencionais.
Cirurgia Robótica no Brasil
A primeira cirurgia robótica realizada no Brasil aconteceu em 2008, no Hospital Israelita Albert Einstein, localizado em São Paulo. Segundo dados de 2018 da H. Strattner, empresa com exclusividade para o robô Da Vinci no Brasil, no período de 2008 a 2018, foram realizadas mais de 30 mil cirurgias robóticas no Brasil.
Somente em 2018 foram aproximadamente 9 mil operações com o robô, sendo 2 mil operações do sistema digestivo, realizadas nos 66 sistemas instalados nos hospitais brasileiros.
Em 2019 o Brasil realizou 13 mil procedimentos, os quais vinham num processo de ascensão com mais cirurgias. Já em 2020, mesmo com a suspensão de cirurgias e exames eletivos ao redor do país em funçao da pandemia de COVID-19, foram realizadas mais de 14 mil cirurgias robóticas em 2020.
Mesmo com o cenário da pandemia e as restrições para procedimentos, o Brasil registrou mais de 14 mil cirurgias feitas com o auxílio de robôs no ano de 2020.
Em entrevista para o portal Future of Health, Marcio Coelho, Head of Operations na América Latina da CMR Surgical, expoõe o potencial de crescimento do mercado brasileir: “A cirurgia robótica representa cerca de 5% das cirurgias mundiais, no Brasil esse índice é estimado em apenas 0,5%. Assim, existe um grande potencial para o desenvolvimento desse mercado”
Em artigo publicado na Frontiersin, pesquisadores de Brasil, Argentina e Chile, demonstram dados sobre a distribuição de robôs cirurgiões na América do Sul. Na região onde a pesquisa foi realizada, foram levantados um total de 52 equipamentos robóticos ativos. O Brasil, com 40 robôs, é o país que tem experimentado o maior progresso na área. Em relação à sua população geral e ao número de robôs, parece que o Chile é o país com a melhor cobertura de sua população com 1 robô a cada 2,1 milhões de pessoas, seguido pelo Uruguai com 1 a cada 3,4, Brasil com 1 a cada 5,1 milhões de pessoas e Argentina com 1 robô a cada 14,6 milhões de pessoas (Tabela 1).
Número de robôs relacionados à população do país (2017)
País/Região | Robôs | População (milhão) | Número de robôs por milhão pessoas |
Brazil | 40 | 207 | 1 por 5.1 milhões |
Argentina | 3 | 44 | 1 por 14.6 milhões |
Chile | 8 | 17 | 1 por 2.1 milhões |
Uruguay | 8 | 3 | 1 por 3.1 milhões |
USA | 2862 | 323 | 1 por 0.11 milhões |
Europe | 742 | 741 | 1 por 0.99 milhões |
Ásia | 579 | 4462 | 1 por 7.7 milhões |
A pesquisa Cirurgia Robótica Pediátrica na América do Sul mostra que a localização dos robôs nos principais países da America do Sul é semelhante, principalmente reunidos em uma ou duas grandes cidades. No Chile e Uruguai, 100% dos equipamentos estão na capital cidades (Santiago do Chile e Montevidéu,respectivamente), enquanto em Argentina os 66% estão em Buenos Aires. No Brasil, 75% estão localizados nas duas principais cidades que são São Paulo e Rio de Janeiro.
A pesquisa também demonstra a potencialidade de mercado para médicos se especializarem na área de cirurgia robótica, com poucos profissionais qualificados na área. Conforme dados de 2017 da empresa Intuitive, no Brasil um total de 400 cirurgiões são credenciados pela empresa em seu treinamento de cirurgia robótica, sendo a maioria dos treinamentos realizados no exterior.
Número médicos treinados em cirurgia robótica (2017)
País | Robôs Ativos | Início do Programa | Cirurgiões Adultos Treinados | Cirurgiões Pediátricos Treinados |
Brazil | 40 | 2008 | 400 | 2 |
Argentina | 8 | 2010 | 106 | 13 |
Chile | 3 | 2008 | 24 | 1 |
Uruguay | 1 | 2011 | 3 | 0 |
Regulamentação Cirurgia Robótica no Brasil
Foi publicada em Março de 2022 a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que regulamenta os procedimentos médicos com aplicação de plataforma robótica no Brasil. A resolução detalha diretrizes e definições sbre a cirugia robótica assitida.
Definições (glossário):
- CIRURGIA ROBÓTICA: cirurgia realizada por via minimamente invasiva, aberta ou combinada, utilizando instrumental robótico, controlada por um cirurgião no console e auxiliada por um cirurgião em campo, para o tratamento de condições cirúrgicas em que já se tenha comprovado eficácia e segurança do procedimento.
- TELECIRURGIA: telecirurgia robótica é a realização de procedimento cirúrgico a distância com utilização de equipamento robótico, mediada por tecnologias interativas seguras.
- EQUIPE DE CIRURGIA ROBÓTICA: é composta por cirurgião principal, cirurgião auxiliar, médico anestesiologista, instrumentador, enfermeiro de sala (responsável pela movimentação externa do robô), técnico de enfermagem circulante de sala.
- CIRURGIÃO PRINCIPAL: médico com RQE na área cirúrgica relacionada ao procedimento registrado no CRM que responderá diretamente pelo ato cirúrgico. Este médico deve ter residência médica reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), com treinamento específico em cirurgia robótica ou capacitação específica para a realização de cirurgia robótica, conforme disposto no Anexo 2 desta resolução.
- CIRURGIÃO AUXILIAR EM CAMPO: médico com RQE em especialidade cirúrgica registrado no CRM, responsável pelo auxílio ao robô e instrumentais robóticos, devendo estar pronto para intervir rapidamente em caso de eventos adversos relacionados ao paciente ou ao robô.
- CIRURGIÃO-INSTRUTOR EM CIRURGIA ROBÓTICA: médico com RQE em especialidade cirúrgica registrado no CRM, que possua capacitação reconhecida em cirurgia robótica. Durante a realização de cirurgia robótica o cirurgião-instrutor em cirurgia robótica orientará o cirurgião principal no manejo do robô, incluindo o console e instrumentais robóticos, não sendo de sua responsabilidade participar da indicação cirúrgica, da escolha da técnica cirúrgica ou mesmo da assistência direta ao paciente no intraoperatório ou no pós-operatório.
- CIRURGIÃO REMOTO EM TELECIRURGIA: cirurgião operador do equipamento robótico durante a realização da telecirurgia.
- CIRURGIÃO PRESENCIAL EM TELECIRURGIA: médico presente na sala cirúrgica durante a telecirurgia realizada por cirurgião remoto, que tenha condições de finalizar o procedimento, caso ocorra alguma intercorrência com o equipamento robótico.
A resolução ainda define diretrizes sobre as unidades hospitalares sendo: “Hospital de Alta Complexidade a unidade hospitalar que possua condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados à prestação de assistência especializada a pacientes com doenças complexas ou que necessitem utilizar equipamentos de alta tecnologia (Robô, hemodinâmica, dentre outros). Essas unidades, devem contar ainda com equipe assistencial adequadamente dimensionada e qualificada, além de serviços de apoio que possam dar suporte a todas as intercorrências possíveis nos procedimentos de alto risco e complexidade, como Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), exames diagnósticos de imagem e laboratoriais, bem como serviço de hemoterapia.
Também define-se diretrizes para funcionamento como: “As plataformas de Cirurgia Robótica utilizadas no Brasil e nos hospitais de Alta Complexidade em atos médico-cirúrgicos devem ser aprovadas pela ANVISA e fornecer manual (tutorial) específico de funcionamento, que permita ao cirurgião conhecer e se tornar proficiente no manejo do robô.”
Sobre a qualificação do médico é definido que: “A cirurgia robótica só poderá ser realizada por médico que, obrigatoriamente, deverá ser portador de Registro de Qualificação de Especialista (RQE) no Conselho Regional de Medicina (CRM) na área cirúrgica relacionada ao procedimento.” Além disto no anexo II são listados os treinamento específico em cirurgia robótica e treinamentos avançados requeridos para os profissionais.
Mercado e tendências em cirurgia robótica
A crescente demanda por cirurgias laparoscópicas precisas e adequadas, com exigências crescentes de procedimentos cirúrgicos na população geriátrica e aumento de casos de lesões traumáticas, são os principais fatores para impulsionar e gerenciar o crescimento desse mercado.
Somado a isso, como resultado da pandemia do COVID-19, várias sociedades cirúrgicas publicaram diretrizes de segurança durante esses procedimentos no atual cenário de pandemia. Para reduzir efetivamente a disseminação de patógenos, os robôs podem ser integrados em várias seções da sequência, que cada paciente cirúrgico percorre durante uma internação hospitalar. Esses aplicativos estão impulsionando a demanda.
Também é importante destacar outras tecnologias que permitem impulsionar ainda mais esta tecnologia, como por exemplo a expansão da internet 5G, que poderá permitir o surgimento de intervenções para áreas rurais e subdesenvolvidas.
De acordo com a Statista, empresa especializada em dados de mercado e consumidores, esse segmento deve atingir a marca de US$ 12,6 bilhões globalmente em 2026. Já o estudo da Mordor, empresa de consultoria e inteligência de mercado, avaliou o mercado de sistemas robóticos para medicina em US$ 8,307 bilhões em 2020 com projeção de atingir US$ 28,34 bilhões até 2026, com uma taxa de crescimento anual de 22,18% no período de previsão 2021-2026.
Um dos principais mercados potenciais é o Asiático, com principal contribuição da China na região para a demanda por robôs médicos. Esta tendência é impulsionada principalmente pela crescente adoção de serviços baseados em instrumentos e, também, a demanda é apoiada por outros fatores, como a falta de fisioterapeutas e cuidadores qualificados.
Principais empresas cirurgia robótica
O mercado de sistemas robóticos médicos está moderadamente concentrado, pois a maior parte da demanda do mercado é atendida pelas ofertas das principais empresas, apesar da crescente entrada de novos players.
O crescimento e competitividade podem ser atribuídos a parcerias e aquisições entre grupos empresariais e também a colaborações entre governo e universidades para fins de pesquisa e desenvolvimento. As empresas pioneiras neste mercado vem aproveitando esta colaboração estratégica para aumentar sua participação de mercado.
Intuitive Surgical – Da Vinci
web site: https://www.intuitive.com
Nascido no coração de Silicon Valley – a partir de patentes militares – e desenvolvido pela empresa californiana Intuitive Surgical Inc., o robô da Vinci foi lançado em 1999. Desde então, tem vindo a revolucionar a cirurgia robótica nos Estados Unidos e no resto do mundo, permitindo resultados cada vez mais eficientes com o desenvolvimento de sucessivas configurações.
Em 2014 a introdução do da Vinci Xi (IS4000), a versão mais recente e vanguardista do sistema robótico que conta já com mais de 3900 instalações e mais de 8,5 milhões de cirurgias, a Intuitive tornou-se líder no mercado de robótica cirúrgica.
Com o Xi, os cirurgiões têm acesso a novos instrumentos cirúrgicos ativos e passivos, visão estereoscópica 3D no console e uma infinidade de novos recursos de diagnóstico e intervenção.
Além disso, a Intuitive possui um modelo da família chamado da Vinci SP, que significa porta única. Este novo robô realiza cirurgias em espaços confinados como o tórax. Permite ao cirurgião introduzir uma câmera e três instrumentos de pulso com controle espacial através de uma incisão de 2,5 centímetros. Da Vinci SP é incrivelmente atraente em design e, em contraste com seus ancestrais, é extremamente fino e discreto.
Nos últimos 20 anos, o robô mais utilizado na cirurgia assistida por robótica foi o Da Vinci da Intuitive Surgical. Em 2020, existem mais de 5.700 unidades Da Vinci em todo o mundo – nos Estados Unidos, Europa, Ásia e no resto do mundo20.
Auris Health – Monarch Plataform
web site: https://www.aurishealth.com/monarch-platform
Em 2016, a Auris Health – adquirida pela Johnson-and-Johnson (J&J) por U$ 3,4 bilhões – apresentou seu robô para biópsia broncoscópica, Monarch. Monarch usa dois braços robóticos para fornecer controle estável e preciso para broncoscópios.
Capacitados com navegação 3D em tempo real, uma câmera no escopo e um joystick de controle semelhante ao Xbox, os cirurgiões experimentam procedimentos cirúrgicos realistas semelhantes a jogos.
Monarch oferece uma capacidade sem precedentes de identificar nódulos semelhantes a câncer dentro dos pulmões de um paciente. Juntar-se à J&J – especialmente com as soluções de ablação pulmonar da Ethicon – dá à Monarch o impulso necessário para se tornar o padrão-ouro para tratamento no mercado.
Medtronics – Hugo
web site: https://www.medtronic.com/covidien/en-us/robotic-assisted-surgery/hugo-ras-system.html
Bem antes de o nome do robô cirúrgico da Medtronic se tornar público, a empresa estava fazendo acordos para fortalecê-lo. Em junho de 2019, a Medtronic anunciou que Hugo incorporaria os sistemas de visão 3D e componentes de visualização de Karl Storz. Em 2021, a Medtronic, em outro plano para aprimorar Hugo, adquiriu a Digital Surgery, uma empresa especializada em digitalizar protocolos cirúrgicos para usar a computação e apoiar a prestação de cuidados cirúrgicos consistentes, baseados em dados e baseados em evidências.
A Medtronic projetou seu novo sistema intitulado Hugo para ser modular e mais portátil que o da Intuitive. Cada um de seus quatro braços robóticos é montado em seu próprio carrinho, o que significa que o cirurgião só precisa usar dois ou três para operações menos complicadas.
Quaisquer braços sobressalentes podem ser transportados para uma sala de cirurgia diferente para uso em outra cirurgia. Isso contrasta com a oferta da Intuitive, que tende a consistir em um equipamento fixo que deve ser colocado permanentemente em uma única sala de cirurgia.
Está equipado com um endoscópio padrão e também oferece aos cirurgiões o benefício adicional da ferramenta de imagem 3D de alta tecnologia do sistema.
Considerações Finais
Nos próximos anos a cirurgia robótica será cada vez mais utilizada no dia a dia dos hospitais, com potencial de difusão desta tecnologia de grandes centros para outros polos regionais. Os desafios ainda estão relacionados ao custo dos equipamentos e barreiras de conhecimento. Porém os números dos procedimentos mantém tendências animadoras, o que gera um cenário competitivo favorável para as empresas e novos entrantes, dando velocidade a este mercado. As perceptivas positivas de mercado somada ao potencial de aplicação de novas tecnologias e plataformas, tende a reduzir os custos, tornando mais acessível para a população e ampliando o impacto dos benefícios para a saúde da cirurgia robótica.